O presente artigo provém do atual momento em que vivem os gestores, administradores e condôminos quando do real estado de utilização em que recebem um empreendimento após concluídas as obras pelas incorporadoras/construtoras, repercutindo a exigência legal do atendimento a diversas normas técnicas para a atribuição da segurança ao uso e operação das edificações.
É muito comum, na verdade se torna quase uma regra, a formação de comissão constituída por síndicos, administradores, conselheiros e até mesmo simples condôminos que manifestam necessidade de acompanhamento ao procedimento de entrega de empreendimentos residenciais.
O foco para seguir o procedimento é a identificação ou não de patologias que se manifestam antes mesmo da ocupação do empreendimento pelos seus proprietários, como manchas em paredes, ausência de itens que constam nos catálogos de venda, problemas de funcionamento de máquinas e/ou equipamentos.
Uma vez relacionadas as pendências identificadas pela comissão, ocorre a elaboração de um check list que condiciona o recebimento do empreendimento pela execução de todos os serviços pendentes, isso é o que acontece na prática.
DO REGRAMENTO
Iniciado como princípio a aplicação para as garantias disponíveis na prestação de serviços pelo incorporador/construtor à consumidores, a lei 8.078/90 instituiu o regramento jurídico para os direitos dos consumidores, que estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
Diretamente relacionado com as normas técnicas, o CDC auferiu no art. 39, as práticas abusivas relacionadas a prestação de serviços, transcrita abaixo:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
O truísmo para identificação das inconformidades destacadas não representa obstáculo para o inicial tratamento por mediação ou conciliação das partes, mas representa oportuna avença a real representatividade das evidências apontadas.
Trazendo a exigência inicial o entendimento por necessidade de recebimento de edifícios e/ou empreendimentos residenciais por seus representantes legalmente constituídos, encontramos a disparidade de armas no que tange o inanimado conhecimento técnico pela propriedade intelectual do objeto construído voltado estritamente a conclusão do objeto financiado e não a prestação de serviços que atentem a proteção dos interesses sociais ali manifestos por meio das construções por empresas privadas.
Comumente não atendidos os preceitos técnicos exigidos em sua conclusão, os gestores se veem trancafiados nas diversas alegações de realização de serviços sob agendamento e necessidade, não mais por cumprimento de condições normativas.
Com base nessa preocupação, o legislador, com o Código de Defesa do Consumidor, demonstrou preocupação com o princípio da adequação do procedimento, uma vez que diversas regras processuais não se aplicam ao caso em concreto, de forma mais incisiva quanto ao ônus da prova.
Mediante ao momento processual que vivemos por meio de constantes reformas legislativas, destaca-se a edição do NCPC, que busca, não somente aos operadores do direito a paridade de armas para conformação aos princípios constitucionais para um melhor acesso a justiça, mas também expor o papel da jurisdição não mais sob o rótulo da clássica definição de dizer o Direito e sim por uma atividade criativa, do contrário, serão letra morta.
DO ÔNUS DA PROVA PARA A ENTREGA E RECEBIMENTO
O ônus de provar o real estado de entrega de um empreendimento não se trata de obrigação ou dever, mas sim da incumbência de atestar, em um eventual litígio ou reclamação por alegação de vício redibitório, argumentos fundamentados de evidências incontestáveis por qualquer uma das partes o atendimento as condições de projeto.
A ausência de recurso pela parte sucumbente traz inevitavelmente a consolidação da coisa julgada, em se tratando do ponto de ausência da prova por apresentação de evidência técnica tanto por aplicação de exigência normativa quanto pelo déficit na composição do atestado de conclusão da obra, fundamentado pelo encerramento da atividade das obras e início da habitação.
Tratando-se independentemente da perfeição ou imperfeição do ônus processual, a ausência de sua comprovação sem a fundamentação correta pelo nexo de causalidade então aplicado ao caso ganha espaço a inserção de petições genéricas, pedidos vultuosos e antecipação de tutela sem apreciação do risco real, todos erroneamente invocados do princípio da ampla defesa, conforme Art. 5, LV da CF/88.
De certo que o próprio ônus não ocasiona automaticamente um julgamento favorável ou desfavorável, bem como não obriga a parte contrária ao cumprimento ou realização, mas apenas a sua sujeição.
Deveras exigido pela aplicação do diploma legal na assunção de reconhecimento da coisa ainda não julgada ou meramente pela expectativa do cumprimento em prol da demonstração correta do nexo de causalidade, que liga o fato ao dever de fazer, a lealdade e boa-fé exigidos nos termos do art. 5 do CPC/2015 pode ser exigida a todos os integrantes da lide, conforme art. 80 do CPC/2015.
A constituição do ônus da prova traz em seu diploma a consciência de que a parte que não a produzir estará suscetível ao risco de um resultado desfavorável. Atualmente, com a implementação da exigência do cumprimento das normas técnicas a prestação de serviços, a máxima de que provar não é um dever jurídico abre um leque para a construção de dispositivos fundamentados no art. 80 do CPC/2015 relacionados a ma-fé processual, uma vez que alegar infundado nexo por descumprimento normativo pelo prestador de serviço especializado ultrapassa a fronteira do art. 145 do CC por anulação do negócio jurídico e do art. 186 do mesmo código pelo ato ilícito, produzindo efeitos pelo dolo processual, como segue:
O dolo processual se caracteriza quando se engana o juiz ou a parte com o objetivo de alterar o desfecho do processo. A suscitação de quitação integral do imóvel, respaldada por documentos que, segundo o suscitante, comprovam a alegação, não indica dolo processual. (STJ – AREsp: 1022588 DF 2016/0310700-7, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 12/12/2016).
Tal dimensionamento encontra fundamento não só a concepção técnica e intelectual exigidos pelas normas ABNT NBR 13532 - Elaboração de projetos de edificações, ABNT NBR 6492 - Representação de projetos de arquitetura e a ABNT NBR 15575 – Norma de desempenho, mas também pela realização de procedimentos técnicos normativos exigidos para identificação do que está se recebendo e do seu estado de funcionalidade, conforme exibidos pelas normas ABNT NBR 14037 – Uso, operação e manutenção das edificações, ABNT NBR 5674 – Manutenção de edificações, ABNT NBR 16747 – Inspeção predial.
A caracterização dessas atividades se encontra descrita e dimensionada pela lei 5194/66, no art 7 C, objetivando a detenção de habilitação profissional de nível superior como premissa para a realização de elaboração de estudo técnico, parecer ou laudo para a constatação de estado inicial e funcionalidade dos diversos sistemas construtivos presentes em edificações.
DO PROCEDIMENTO TÉCNICO
Em detrimento das diversas disciplinas aplicadas ao caso dos recebimentos de empreendimentos residenciais, a identificação correta da matéria a ser aplicada é o ponto de partida, objetivando a constatação e o mérito, bem como a correta relação do nexo causal entre o visual e o redibitório.
Um levantamento realizado pela Câmara Brasileira da Industria da Construção – CBIC, no ano de 2019, identificou que para o perfeito atendimento técnica das normas ABNT na construção de um empreendimento residencial, são necessários o atendimento a 1.007 normas técnicas.
Cada norma ABNT tem como fundamento três aspectos direcionais que são administrativos, técnicos e jurídicos. O primeiro faz correlação estrita ao início do uso, onde são identificadas em cada sistema construtivo a forma e o meio de uso, imputando-se padrões de rotinas de observação, restringindo-se apenas a controles operacionais e registros físicos.
O segundo aspecto está relacionado a própria concepção da construção, tendo amparo na lei 5196/66 e suas derivações. Os procedimentos adotados são correlacionados desde a aquisição do terreno até a fase da entrega pela incorporadora/construtora e, para a preservação e durabilidade pelos seus usuários, conforme dita trecho introdutório da norma ABNT NBR 5647/2012, como segue:
É inviável, sob o ponto de vista econômico, e inaceitável, sob o ponto de vista ambiental, considerar as edificações como produtos descartáveis, passíveis da simples substitui o por novas construções quando os requisitos de desempenho atingem níveis inferiores aqueles exigidos pela ABNT NBR 15575 (Partes 1 a 6). Isto exige que a manutenção da edificação seja levada em conta tão logo elas sejam colocadas em uso.
A omissão em relação a necessária atenção para a manutenção das edificações pode ser constatada nos frequentes casos de edificações retiradas de serviço muito antes de cumprida a sua vida útil projetada (VUP), causando muitos transtornos aos seus usuários e um sobrecusto intensivo dos serviços de recuperação ou construção de novas edificações.
O terceiro aspecto está relacionado ao direito propriamente dito, objetivando a relação de consumo e apresentado as garantias necessárias a serem dispostas pelos fornecedores de produtos, neste caso de bem duráveis.
Restringindo a aplicação normativa ao caso do recebimento de empreendimentos por seus usuários, devem ser aplicadas algumas normas técnicas para o perfeito enquadramento técnico e jurídico no ato da entrega.
Dentro das diversas disciplinas de engenharia e arquitetura presentes desde o desenvolvimento de estudos de viabilidade técnica e econômica, elaboração de projetos e construção de empreendimentos, aplica-se metodologia própria de estudos de espacialização para o recebimento de empreendimentos, que é o caso da engenharia diagnóstica.
A base teórica de aplicação da engenharia diagnóstica passa por cinco matérias, que são as vistorias, inspeções, perícias, auditoria e consultoria.
A vistoria trata especificamente do apontamento por registros fotográficos do estado visual presente no ato de entrega do empreendimento; essa disciplina é a mais utilizada e recomendada, mas com uma certa cautela.
O estudo dos sistemas construtivos em projetos é a base para o correto dimensionamento das atividades para o registro, evidenciando não só a amplitude no tipo construtivo mas seu detalhe na evidência de particularidades. Como exemplo o caso de piscinas elevadas, onde na graduação se identifica a necessidade de projeto e cálculo de dimensionamento de vigas suspensas, acabamentos e materiais aplicados, já na especialização se evidencia a VUP (vida útil de projeto), as condicionantes do memorial descritivo e a efetividade do manual de uso e operação do sistema construtivo em análise.
Com base fixada na vistoria, comumente são correlacionados procedimentos de rotina administrativa na evidência de correlatos de patologias aplicadas no ato do uso e operação do sistema em questão. Uma vez fundamentado que existia perfeito estado na entrega do empreendimento através do registro técnico de vistoria, cabe ao usuário, assistido devidamente por assistente técnico especializado, correlacionar o nexo de causalidade da patologia com as diversas normas que se aplicam a situação restrita, tornando a sua amplitude consequência da demonstração de vício ou mau uso.
Para atendimento ao ato de recebimento de empreendimentos, comumente são utilizadas como referência as seguintes normas técnicas:
- ABNT NBR 12722/92 - Discriminação de serviços para construção de edifícios
- ABNT NBR 5671/90 - Participação dos intervenientes em serviços e obras de engenharia e arquitetura
- ABNT NBR 15575/13 - Edificações habitacionais - desempenho
- ABNT NBR 14037/11 - Diretrizes para elaboração de manuais de uso, operação e manutenção das edificações - Requisitos para elaboração e apresentação dos conteúdos
Evidente se faz a menção de inúmeras outras normas técnicas da ABNT, em virtude de suas peculiaridades e especialidades aplicadas não somente a engenharia civil, mas as demais ramificações como engenharia mecânica, elétrica, ambiental, produção dentre outras.
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Paulo Oliveira, Msc Engenharia e Infraestrutura, Especialista em Engenharia Diagnóstica, Especialista em Auditoria, Avaliações e Perícias de Engenharia, Especialista em Engenharia de Manutenção, Especialista em Mediação e Arbitragem de Engenharia, Acadêmico do Curso de Direito.
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