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Não recebi o Manual do Síndico. E agora?


Um dos sonhos de toda família brasileira é a aquisição da casa própria, seja ela moradia multifamiliar ou unifamiliar, em loteamento ou condomínio edilício. Das diversas características que se formam numa família brasileira, uma das quais se fundamenta a própria existência é a garantia do direito a propriedade, conforme art. 5, inciso XXII da Carta Magna.


Considerando os aspectos limites desta garantia, o tema abordado reverbera a utilização da propriedade atingindo a sua plena função social, visto que se encontra em diversos outros dispositivos. A ordem econômica que se fundamenta através do direito e consequente valorização do trabalho humano e livre iniciativa, assegura a todos diversas características do estado de direito, criando condições justas e dignas, com refere-se a o art. 170 da CF 88:


Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

...

II - propriedade privada;

...

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

...


Como engenheiro especialista em avaliações e perícias de engenharia, com mais de 15 anos de experiência em perícias judiciais relacionadas à incorporação e construção de edifícios residenciais e comerciais, vamos abordar a importância do Manual do Usuário não só para o síndico, mas como meio de promoção de justiça social dentre os mais desfavorecidos quanto aos aspectos técnicos sobre a manutenção das edificações.


Neste artigo, irei abordar de forma mais técnica a norma ABNT 14037, explorando os principais temas e responsabilidades desse documento para uma gestão eficaz. Além disso, apresentarei fundamentação jurídica, incluindo jurisprudências relevantes, voltadas ao Código de Defesa do Consumidor, que obriga o incorporador a fornecer o manual, pois quando se trata de adquirir um imóvel, existem inúmeros documentos e legalizações a serem concluídos e entregues para todas as partes envolvidas.



Importância do Manual do Usuário


O manual do usuário é um documento fundamental para todos aqueles que adquirem ou constroem qualquer imóvel, pois estabelece as normas, permissões e funcionalidades, garantidos pela lei como direitos e obrigações necessárias para o bom andamento dos contratos existentes.

Esse documento também serve como forma de garantia para o usuário, que detém todas as informações sobre o que é permitido e o que não é, assim como padrões de manutenção, limpeza, de segurança e até sobre o uso correto dos serviços oferecidos.


A norma técnica ABNT NBR 14037/11 - Diretrizes para elaboração de manuais de uso, operação e manutenção das edificações — Requisitos para elaboração e apresentação dos conteúdos, fundamenta a existência de documento técnico operacional que possa orientar os gestores e proprietários de imóveis, na preservação e promoção de garantias em termos estritos e abrangentes, como os requisitos de habitabilidade e durabilidade, respectivamente.


Evidente de que a própria existência de empreendimento residencial, comercial ou industrial culmina na ocorrência de eventos de desgaste de insumos ou componentes pelo uso ou exposição. Estas condições deterioram os materiais utilizados nos diversos sistemas construtivos de uma edificação, contribuindo para já o início da contagem dos prazos estabelecidos em diversas normas técnicas sobre durabilidade das edificações.


A referida norma estabelece como escopo os seguintes termos:


Escopo

1.1 Esta Norma estabelece os requisitos mínimos para elaboração e apresentação dos conteúdos a serem incluídos no manual de uso, operação e manutenção das edificações elaborado e entregue pelo construtor e/ou incorporador, conforme legislação vigente, de forma a:

a) informar aos proprietários e ao condomínio as características técnicas da edificação construída;

b) descrever procedimentos recomendáveis e obrigatórios para a conservação, uso e manutenção da edificação, bem como para a operação dos equipamentos;

c) em linguagem didática, informar e orientar os proprietários e o condomínio com relação às suas obrigações no tocante à realização de atividades de manutenção e conservação, e de condições de utilização da edificação;

d) prevenir a ocorrência de falhas ou acidentes decorrentes de uso inadequado; e

e) contribuir para que a edificação atinja a vida útil de projeto.

1.2 Esta Norma se aplica ao fornecimento de informações técnicas mínimas necessárias ao desenvolvimento das atividades de uso, operação dos equipamentos e manutenção das edificações.

1.3 Esta Norma se aplica a edificações em geral, independentemente da altura, tipologia ou padrão construtivo.

1.4 A incumbência pelas atividades descritas em 1.2 é do proprietário ou do condomínio, podendo estes determinar um representante legal de acordo com as legislações específicas.


A exigência tal de atendimento aos ditames prescritos no manual do usuário, como meio de preservação de direitos e garantias dos usuários não promove apenas os institutos normativos como fonte de regras e dispositivos obrigatórios, mas se relaciona pela relevância ao bem jurídico a ser protegido, dispostos como normas infraconstitucionais.


O art. 39, inciso VIII da lei 8.078/90 aduz que:


Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

...

VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);


Da mesma forma com o qual os dispositivos elencados como regras fundamentais para existência humana, que encontra fundamento no direito positivo, o bem jurídico em questão subsiste como vital e indispensável para a convivência humana em comunidade.


Em sentido estrito, a promoção de exigência no fornecimento de elementos dispostos na Lei 8.078/90 fundamenta a própria garantia dos direitos do cidadão, mas em sentido amplo, constitui objetivo fundamental elencado no Art. 3 da CF. 88:


Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.


Os princípios fundamentais apresentados são diretrizes básicas e essenciais que orientam a aplicação do Direito. São fundamentos norteadores que visam assegurar a justiça, igualdade e a proteção dos direitos humanos, uma vez que falar em preservação de patrimônio é sinônimo de preservação de direitos fundamentais.


Exigir do proprietário ou do gestor de empreendimento a aplicação de técnicas e meios específicos a preservação dos sistemas construtivos de qualquer edificação, com o objetivo de garantir a durabilidade então disposta em projetos, normas e memoriais encontra um obstáculo, que é o próprio conceito de responsabilidade civil.


O tema tem sido muito abordado no meio condominial, visto que as responsabilidades civis e penais ao qual o gestor se submete ao aceitar o encargo por eleição figuravam mais como elemento de decoração em termo de eleição e posse.


Na verdade, o titular do direito se relaciona sempre com toda a coletividade, ou seja, ninguém poderá praticar ato que gerem lesões a direitos patrimoniais ou extrapatrimoniais do respectivo titular. O fato da não disponibilização do manual do usuário para determinada edificação a época da vigência da norma técnica ABNT 14037 implementa risco exclusivo ao incorporador/construtor para a reparação dos danos decorrentes da ausência de atendimento legal.


A Responsabilidade Civil possui duas grandes vertentes sobre sua fonte: A Responsabilidade Civil Contratual, onde é necessário a existência de um contrato entre as partes e a Responsabilidade Civil Extracontratual aonde o infrator infringi a lei vigente. Atrelados a causa de primeira origem, a exata falta de contraprestação de informações tidas como necessários a continuidade da vigência de garantia encontra uma barreira sólida, que é a de inaplicabilidade de responsabilidade objetiva a dano causado por ausência de cumprimento normativo de manutenção obrigatória.


O artigo 187, CC dispõe que:


Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.


Quando alguém não cumpre a "obrigação originária" gera uma "obrigação sucessiva", que é a obrigação de indenizar. Assim, a doutrina especializada separou a ilicitude do artigo 187 em duas: A ilicitude subjetiva (dolo ou culpa) e a ilicitude objetiva (aquela em que apenas ocorre o prejuízo, sem analisar se a conduta foi intencional ou não).


Para a constituição de responsabilidade subjetiva ao fato de ausência de fornecimento de manual do usuário, o nexo de causalidade encontra foco quando da prescrita e necessária manutenção de determinado sistema construtivo deve ser realizada em determinados períodos e sob determinadas circunstâncias, com é o caso da manutenção de elementos de vedação vertical externa (fachadas).


Devido a ser um sistema com custo de construção que chega a ocupar cerca de 20% do orçamento global da edificação, a recuperação de sistemas de fachadas em virtude de ausência de procedimentos de manutenção tem encontrado diversos casos de recorrência judicial de reparação de danos contra incorporadoras e construtoras.


A exigência normativa de detalhamento de procedimento de manutenção, incluindo normas aplicáveis, meios de execução, fornecedores e prestadores de serviços encontra fundamento na relação de causa e efeito de tais ausências com a exposição dos sistemas construtivos em questão às ações das intempéries.


Exigir do usuário ou responsável legal da edificação que promova procedimentos aos quais são fundamentais a própria existência do bem, a manutenção das garantias individuais e coletivas e até mesmo a preservação de habitabilidade e durabilidade de determinada edificação, entra em choque com os dispositivos dos arts. 186 e 927 da lei 10.406/2002:


Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

...

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

...

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Conteúdo do Manual do Usuário

O manual do usuário deve conter as principais informações sobre o imóvel, tanto do lado do incorporador quanto do usuário. Com relação ao incorporador, o manual deve conter informações sobre os serviços oferecidos, incluindo a garantia da área do imóvel, as regras de limpeza e condições de uso que devem ser seguidas, as responsabilidades com relação aos incidentes, caso existam, etc. o manual também deve conter informações sobre as regras e limites de uso das áreas comuns, como áreas de lazer, piscina, playground, etc.


Todas essas informações devem estar detalhadas no manual do usuário para que o usuário tenha acesso a todas as informações necessárias e possa exercer seus direitos e obrigações de forma correta e responsável.


O manual do usuário deve estar disponível para o usuário em todos os momentos, devendo ser entregue pelo incorporador com a documentação do imóvel.


Do lado do incorporador, é importante que exista uma forma de disponibilizar o manual em local seguro e acessível a qualquer momento. Por isso, muitos incorporadores optam por disponibilizar o documento em seu site, garantindo que o usuário possa acessá-lo quando precisar.


O manual também deve ser atualizado periodicamente, para que possam ser adicionadas as novas funcionalidades oferecidas pelo incorporador, bem como as novas obrigações adquiridas pelos usuários.


No manual do usuário também deve estar incluída uma seção sobre licenças e outros direitos, que estão relacionados ao uso dos serviços, bem como à obrigação de pagamento das taxas. Nesta seção, deve constar todas os direitos e obrigações dos usuários referência a tais serviços e funcionalidades, para que possam exercer seus direitos com segurança.


Além disso, é importante que sejam incluídas algumas cláusulas no manual do usuário, que estabeleçam as responsabilidades de ambas as partes, bem como os direitos de cada um, para que possam ser respeitados. Essa inclusão de cláusulas é necessária para que, em casos de disputa, cada parte tenha uma forma de estabelecer suas obrigações e direitos, de modo a resolver a questão de forma rápida e justa.


Após conhecermos as informações mais importantes sobre o manual do usuário entregue pelo incorporador, ficou muito mais fácil entendermos a importância deste documento para todos aqueles que adquirem ou constroem qualquer tipo de imóvel.


Este documento estabelece as normas e padrões de uso de um imóvel, garantindo a segurança a todas as partes envolvidas, além de definir os direitos e obrigações de cada parte. Além disso, o manual do usuário deve estar sempre disponível para os usuários, seja em seu site ou em documentos físicos.


Acompanhe nossa página @verumavaliacoes nas redes sociais, bem como informações relacionadas a engenharia diagnóstica, avaliações e perícias na capital.



Paulo F. C. Oliveira

Msc. Engenharia e Infraestrutura

Especialista em Avaliações e Perícias de Engenharia

Especialista em Engenharia Diagnostica

Engenheiro Civil

Acadêmico do Curso de Direito


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